POR DO SOL DO RIO GRANDE DO SUL

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Quando a tarde cai, e o sol beija o horizonte a pampa se cala para escutar os grilos

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HO DE CASA

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Á Beira do Fogo

Causos Gauchescos

O Livro Á BEIRA DO FOGO, não é um livro comum
assim como não é comum à capacidade criativa do
povo brasileiro. Este livro, trás 24 causos narrados
de uma forma diferente de tudo o que foi editado
no gênero, pois os mesmos são descritos, como se
o autor realmente tenha vivenciado os fatos.
São narrativas bem humoradas e com bom
enredo, onde o autor inventa as situações mais
inusitadas, acontecidas em ranchos e pesqueiros
assombrados, cruzamentos entre raças, caçadas e
pescarias, como o fato de matar 77 caturritas de
um tiro só usando uma carabina descarregada,
Pescar com um couro de cobra ao invés de rede,
relatar um romance com o fantasma de uma bela
moça, entre outros ainda mais difíceis de acreditar.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

CAUSO DO LIVRO PROSA DE GALPÃO (Já na Editora)

O SUMIÇO DA JAGUATIRICA




Conforme relatei em outros causos, nasci e me criei lá nas grotas de Santaninha e, nessa infância campeira que eu tive, muitas coisas o tempo não apagou até hoje, e entre elas estão com certeza a figura bonachona dos meus padrinhos.

Posso dizer que tive muita sorte com os padrinhos que meus pais escolheram, todos muito amigos, e principalmente presenteiros, pois não foram poucos os presentes que ganhei deles.

Quem se criou na campanha igual a mim, por certo sabe que a “criação” é o tipo de regalos que os padrinhos dão para os afilhados e comigo não foi diferente. Lembro que ganhei uma terneira colorada do padrinho Artur, que por azar era machorra e nunca pegou cria, um petiço tostado do padrinho Amintas, que nunca vi mais corredor, Dava quinze em terra lavrada, sem precisar levantar o mango. Mas inesquecíveis mesmo, foram os dois presentes que ganhei da minha madrinha Orlandina.

Uma franga polaca branca, que chegava a botar ovo de quatro gemas e ainda uma leitoa que eu batizei de Jaguatirica. Não que fosse parecida com uma jaguatirica, mas pelo fato de ser toda pintadinha de preto e branco.

Tinha sido uma barrigada de onze filhotes, e a madrinha mandou que eu escolhesse uma leitoa.

Não escolhi, na verdade a leitoa é que me escolheu, pois nem bem cheguei e já veio fuçar nos meus pés e embora fosse a mais mirradinha, foi ela, que levei e criei, como se fosse uma criança, dando leite de mamadeira, e fazendo cama de palha de milho para o bichinho não sentir frio. Era a minha guachinha. A pequena jaguatirica.

Não cresceu muito, deu uma porca, mais pra pequena que pra grande, acredito até que fosse refinada, pois meu padrinho tinha uns cachaços velhos, e era bem possível, que tivesse esses defeitos que os mais estudados chamam de consangüinidade e que, no meu bagualismo medonho, não entendo direito, mas que era miúda isso era. Talvez por isso fosse tão roceira, pois não tinha cerca que segurasse por maior que fosse a cangalha e botar arame no focinho, era trabalho perdido. Parecia que a desgraçada até gostava de sentir dor, pois não saia das lavouras, tanto é fato que, volta e meia abichava nas orelhas e nos quartos, de tanto dente de cachorro, mas ficava cada vez mais roceira.

Quando se findaram as tropeadas, meu pai inventou de fazer uma lavoura, em um potreirão, que havia sido antes um Pouso de Tropas, lugar esse quase na barranca do Camaquã e que era puro adubo, pois estava atopetado de esterco do gado. Não poderia ser diferente do que foi, pois tudo o que nasceu ali, tinha no mínimo dez vezes o tamanho normal, a começar pela limpeza da terra, que chegava a ter carqueja de três metros de altura e carrapicho com o tronco da grossura de um moirão e a altura quase igual aos pés de laranjeira.

A duras penas viremo a terra, pois tinha cada soca de raiz que foi preciso três juntas de bois e tiradeira dobrada, para puxar o arado, mas isso não nos fez esmorecer, pois se a erva ruim crescia daquele jeito, muito melhor seria a plantação, sendo carpida e bem cuidada.

E assim foi vivente, me acredite se quiser, mas pé de milho e mandioca chegava a cinco ou dez metros de altura e deu cada espiga que, com duas dúzias se lotava uma carreta até os fueros. Mandioca deu tão grande que chegou a rachar as paredes do galpão, que ficava a uns duzentos metros da lavoura.

- Pura verdade.

Bueno, mas voltemos ao causo da Jaguatirica, a porca mais roceira que eu já vi, pois não é que certo dia desapareceu a minha porca...

Desapareceu de tal maneira que não houve jeito de encontrar, mas como era uma praga de roceira e comum botarem os cachorros nela, me palpitou que tivesse abichado e morrido, pelos matos ou em algum manancial. Lamentei muito o sumiço do bichinho, pois tudo indicava que tinha pegado cria havia pouco tempo.

Certo dia, estava eu na lavoura, a cortar um naco de um melão, pois de tão graúdo, inteiro não havia quem arrastasse, quando então avistei a Jaguatirica, lá no canto de baixo da lavoura, bem no lugar que fazia divisa com o Camaquã. A Jaguatirica e meia dúzia de leitão. Digo meia dúzia, para não falar que eram sete, e arriscar a dizerem que é conta do mentiroso e com isso colocarem dúvida no meu relato. E digo mais. Eram todos pintadinhos e iguaizinhos a ela quando filhote.

Foi então que me dei conta, que estavam perto de uma abobra munaia, de tão grande, e que essa abobra tinha um buraco de tamanho regular em um dos lados.

Por curioso, olhei pelo buraco e, acreditem se puderem, mas ainda estava ali dentro a palha do ninho onde a porca deu cria.

Um dia desses, eu andava lá por Piratiní e contei esse causo, ao poeta Juarez Machado de Farias, que disse achar muito interessante o fato de existirem coisas de tamanho assim tão exagerado, a afirmou, que ali perto, mais exatamente na região do Cancelão, estão fabricando um tacho tão grande, que quando um ferreiro dá uma marretada o outro não escuta, de tão longe que ficam um do outro.

Curioso, perguntei para quê serviria um tacho tão grande e a resposta que tive foi que seria para fazer doce com minhas abobras.

UM CAUSO DO LIVRO PROSA DE GALPÃO

PESCANDO COM DORMINHOCO




Tudo começou em uma tardezita de verão, quando eu proseava e mateava com o meu mano Albrantino Moreira, na beira do rancho sorvendo um mate véio, bem cuiudo e relembrando as belas pescarias, nos bons tempos de guri, lá no poço do Fervor. Sem dúvidas, um dos poços mais fundos e perigosos de toda a extensão do Camaquã, pois tinha tantos redemoinhos que chegara a ponto de receber esse nome, e por certo, não fora um nem dois caíques, de bom tamanho que ali haviam fundiado e por certo também deveria ter um lote de gente se afogado naquele lugar.

Por outro lado o pesqueiro era dos buenos e dava peixe tipo bicho. Uma hora pescando, enchia meio saco e ali só dava peixe munaia, desses que só o retrato pesa de cinco quilos pra mais, mas também pudera, era um lagoão arredondado, com quase cem metros de tamanho para cada lado. Tchê de Deus, se amontoava pintado e traíra lá no fervor.

Da prosa para uma pescaria, foi um upa, assim que, uma semana depois, convidamos o primo Neri Borba, que pra facilitar o entendimento deste causo, eu digo que é filho de Gonçalino Borba, o dono do campo alagado, durante uma enchente, ao qual eu falei em outro causo que contei um dia desses.

Aquele da Enchente no Camaquã.

O Neri, mais conhecido por Pombinha, apelido que trás desde piá, fato que não vem ao caso, pois o fato real é que levamos o índio de parceiro na pescaria, uma vez que, conhecia cada palmo daquela costa do Camaquã, e era um tarrafeador de fundamento, além de ser um parceiro bueno em uma pescaria.

No dia combinado, levantei cedito e tirei uma pedaçama de minhocas. Digo pedaçama, por que no meu rancho, a minhoca é tão graúda, que não se consegue dar uma pazada sem cortar no mínimo um palmo do animalzinho.

Cobra papa-pinto é coisinha perto das minhocas que eu crio, pode-se iscar mais de dúzia de anzóis, com cada uma.

Arrumei minhas tralhas, cevei um mate e fiquei esperando os companheiros.

A idéia, era sair, no máximo, umas dez da manhã para chegar ainda com sol ao pesqueiro, para dar tempo de pescar uns lambaris, pois para a noite não tem isca melhor.

Saímos de fato, antes das dez horas, mas a estrada estava tão ruim, que só chegamos ao pesqueiro à noite, o que para nossa sorte fazia lua Cheia e a noite mais parecia um dia de tão clara, pois já era noite grande, quando andando um pouco de fubica e outro tanto a pé, conseguimos chegar.

Por sorte o Pombinha de fato conhecia aqueles campos pelos dois lados do rio, até de olho fechado, pois caso contrário, acho que teria gorado a bendita pescaria, uma vez que eu sempre viera ao Fervor tinha sido por Santaninha e, desta feita, chegava por este lado do rio, ou para que melhor me entenda, das bandas de Pinheiro Machado.

Com o atraso, não foi possível pescar lambari, de maneira que a única isca eram as minhas minhocas que, felizmente, era quase meio balde delas.

A lua, conforme falei, era um dia de tão clara e assim acomodemo, um fogo bueno, uma cambona de água e uma carnita para assar. Vestimos os anzóis de minhoca, larguemo na água e assim começamos a tirar peixe. Dava peixe de todo o porte e como a pescaria era gorda, os mais miúdos, se largava pra água de volta.

Era quase meia noite, quando resolvi pegar uma linha bem comprida, prender uma chumbada de bom peso e com ela na mão, subi num galho de salso, que se inclinava a oito ou dez passos por cima da água, pra mó de pegar melhor impulso, e mandar a linha mais longe.

Reboliei, três ou quatro vezes, aquela chumbada no ar e joguei o anzol o mais alto e longe que pude e com toda a força que Deus me deu.

Parece que a chumbada criou asas. Cheguei a pensar que ficara engaiolada em alguma coisa, pois perdi de vista de tão longe que foi, até que pelas cansadas, escutei a batida na água, aproximado a duzentos metros abaixo, isso já no poço do barro e não no fervor.

Não que eu pudesse medir, mas pelo barulho e pelo comprimento da linha, que se estendeu quase toda.

Só bateu e já correu e oigaletê... tirambaço forte que deu tchê, chegou a me debulhar como um trapo, de cima do galho quase na boca de um redemoinho.

A minha sorte toda é que a linha era forte, pois o bicho me arrastou por um bom pedaço do lagoão e só não fui engolido por um redemoinho que havia logo adiante, porque terminou o curso da linha e a outra ponta tinha ficado atada no galho do salso.

Nadei por meia hora para desviar os outros tantos redemoinhos, sendo o maior de todos, bem onde emergia o galho do salso que eu havia caído, até que desabei em uma cachoeirinha e cheguei à margem, isso a uns “noventa e nove” metros abaixo do local onde havia caído.

Voltando encontrei o mano com as mãos sangrando de tanto puxar a linha, sem ter conseguido tirar pra fora aquele munaia peixe, pois a linha era forte e aguentou, mas o bicho tironeou tanto, que só ficou no anzol a isca e um pedaço do beiço do danado.

Ao pegar o anzol foi que entendi, porque havia ido tão longe, pois não é que ao rebolear a chumbada, enganchei a fisga do anzol no bico de um dorminhoco em pleno vôo e o bicho fisgado, por certo voou até onde a linha esticou, para então cair já quase na boca do peixe.

Pra arrematar este causo, eu afirmo que pesquei o resto da noite com aquele dorminhoco de isca e, acredite se puder, mas peixe nenhum roubou a isca durante a noite, porque a verdade é que nem com a mão eu conseguiria iscar melhor, pois havera de ser que o anzol tinha entrado pelo bico do bicho, ficando a alumiar a pontinha da fisga, bem onde sai o esterco.